Técnica do julgamento antecipado do mérito em recurso de apelação

Por: Fabiana Miranda Leão

Não é novidade que o Código de Processo Civil que vigora desde marco de 2016 introduziu o que se denomina de técnica do julgamento antecipado parcial do mérito, aplicável aos processos cujo objeto em litígio é composto por mais de um pedido ou, ainda que composto por pedido único, este seja passível de decomposição.

A previsão para utilização desta dinâmica processual consta do artigo 356, que estabelece tal possibilidade de julgamento fragmentado em etapas distintas quando um ou mais dos pedidos formulados pela parte autora for incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento por ausência de necessidade de produção de outras provas, ou ainda pela decretação de revelia com presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor.

Havendo tais requisitos, o juiz poderá julgar parcialmente o mérito relativamente aos pedidos passíveis de resolução antecipada, mesmo havendo outros pedidos cuja fase de conhecimento ainda não esteja desenvolvida por completo.

Nesta hipótese, a demanda prosseguirá quanto aos pedidos não resolvidos e, nos moldes do parágrafo segundo do artigo 356, aqueles antecipadamente julgados em decisão interlocutória poderão ser imediatamente liquidados ou executados, ainda que haja recurso de agravo de instrumento interposto contra esta decisão parcial.

A liquidação ou cumprimento imediato da decisão antecipada parcial tramitará de forma incidental aos autos principais e independerá de caução para seu aparelhamento, mantendo-se a ressalva apenas em relação a ato expropriatório (CPC, artigo 520, IV, CPC).

Embora não esteja expresso no diploma legal, o STJ já manifestou entendimento de que esta dinâmica de resolução parcial de mérito também é aplicável pelos tribunais, em julgamentos de recursos de apelação, ainda que não seja o objeto delimitado no recurso.

Neste sentido, a Ministra Nancy Andrighi declarou seu entendimento em julgamento ao Recurso Especial nº 1.845.542, destacando que “caso se analisasse o tema exclusivamente sob a ótica da literalidade da norma, poder-se-ia concluir que a técnica do julgamento antecipado do mérito só pode ser aplicada no primeiro grau de jurisdição. Entretanto, não é demais rememorar a lição segundo a qual “não se interpreta o direito em tiras; não se interpretam textos normativos isoladamente, mas no seu todo” (GRAU, Eros Roberto. Porque tenho medo dos juízes: a aplicação/interpretação do direito e os princípios. 6. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 84). Isto é, não se deve olhar para a norma e ignorar os demais preceitos legais que compõem o digesto processual, bem como os princípios que orientam o processo civil brasileiro.”

Segue em sua decisão expressando entendimento de que os tribunais também devem aplicar a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito, exemplificando casos em que os pedidos de uma ação tenham sido julgados improcedentes em primeira instância com reconhecimento de prescrição da pretensão. Em análise da apelação, o tribunal concluiu que um dos pedidos estava prescrito, mas não poderia ser analisado sem a produção de provas, e outro pedido não estava prescrito e a prova documental apresentada nos autos era suficiente para seu julgamento.

Nesse caso, entende a ministra ser plenamente possível ao tribunal aplicar a sistemática, para possibilitar que “casse a sentença apenas parcialmente, para determinar que o juízo de primeiro grau dê prosseguimento ao processo com relação ao pedido A, e julgue imediatamente, no mérito, o pedido B.”

A demanda específica objeto de julgamento pelo colegiado que levou a matéria para apelo extremo se originava em ação com pedidos indenizatórios de espécies distintas (danos materiais, pensão por perda da capacidade laborativa, morais e estéticos) que, em primeiro grau, foram julgados procedentes apenas quanto aos pedidos de pagamento de danos materiais e de indenização por danos morais e estéticos.

A condenação por danos patrimoniais e morais foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, contudo, quanto à fixação de pensão por redução da capacidade laborativa, o órgão julgador considerou insuficientes as provas produzidas e entendeu ser necessária a produção perícia, o que motivou a anulação da sentença somente quanto a este tópico, com fundamento no artigo 356 do CPC, determinando o retorno dos autos à origem para a complementação da prova.

Ao ser apreciada a matéria pelo STJ, como mencionado acima, foi manifestado o entendimento de que é plenamente possível a cisão do julgamento também pelos tribunais quando este considerar o conjunto probatório insuficiente com relação a um ou alguns dos pedidos da ação.

Em suma, seja a técnica do julgamento parcial antecipado do mérito aplicada em primeira instância, seja pelos tribunais, e mesmo que ainda não extensivamente utilizada pelo judiciário, é inegável que alterou significativamente a sistemática processual até então vigente, que estabelecia a sentença una.

Ao instituir esta dinâmica de decisão interlocutória parcial de mérito, e ainda conferindo-lhe natureza de título executivo judicial, o novo CPC oferece celeridade e efetividade na entrega jurisdicional, sem vulnerar o devido processo legal, prestigiando os princípios da economia processual e duração razoável do processo, representando, portanto, um avanço para nosso ordenamento jurídico.

Publicado em 16/05/2023 no Portal MIGALHAS – Edição nº 5.602

O presente alerta legal foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.