Por: Reynaldo Vallu
A responsabilidade civil de diretores e conselheiros tem recebido destaque na mídia no âmbito de sucessivas denúncias envolvendo grandes empresas. Não raramente, a estratégia de defesa nestes casos clama pela isenção de responsabilidade, embasada, quase que exclusivamente, na alegação de desconhecimento dos ilícitos denunciados.
Ocorre que a abrangência dos deveres previstos na Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”) pode expor os administradores, cotidianamente, à responsabilidade civil pela mera negligência do acompanhamento das atividades de seus pares. Basta lembrar, por exemplo, que uma das competências legais do conselho de administração é fiscalizar a gestão dos diretores, cabendo-lhe, nos termos do artigo 142, III, da Lei das S.A., “examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia”, como também “solicitar informações sobre contratos celebrados ou em vias de celebração”.
Se o administrador afirma desconhecer fatos graves, praticados de forma corriqueira e contínua, por relevantes departamentos da companhia, isso pode ser sinônimo de uma administração falha e embasar a responsabilidade civil dos diretores e conselheiros negligentes ou coniventes. Isso porque o §1º do artigo 158 da Lei das S.A. estabelece que o administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se for conivente, negligenciar em descobrir a prática ilícita ou deixar de agir para impedi-la quando dela tiver conhecimento.
Por outro lado, esse mesmo dispositivo estabelece que o administrador exime-se de responsabilidade ao manifestar discordância. Para tanto, deve consignar sua dissidência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, cientificar imediatamente, por escrito, o órgão de administração, o conselho fiscal ou a assembleia geral.
Caso a companhia sofra prejuízos em decorrência do descumprimento de deveres legais (como os acima transcritos) ou estatutários, pode até mesmo ser estabelecida a responsabilidade solidária dos administradores. Ou seja, a possibilidade de um, alguns ou todos os diretores ou conselheiros negligentes ou coniventes serem condenados a arcar com a totalidade da indenização.
Para as companhias fechadas, essa previsão de responsabilidade solidária é aplicável às hipóteses de não cumprimento dos deveres legais para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que pelo estatuto tais deveres não caibam a todos os administradores (artigo 158, §2º). No âmbito das companhias abertas, a responsabilidade solidária somente é aplicável aos administradores que tenham atribuição estatutária específica (artigo 158, §3º).
Adicionalmente, tanto para as companhias abertas como para as fechadas, a responsabilidade solidária é prevista para o administrador que deixar de comunicar à assembleia geral o ilícito cometido pelo seu antecessor ou pelo administrador competente nos termos do estatuto (artigo 158, §4º).
Cabe notar que a responsabilidade civil em casos como esses é subjetiva, de forma que o administrador só pode ser condenado a reparar o dano caso fique demonstrada a prática ou omissão a ele imputada, em violação à lei ou ao estatuto social, bem como a relação entre a sua conduta e o prejuízo alegado.
A responsabilidade solidária de administradores ainda não foi amplamente debatida em nossos tribunais, sobretudo quanto às hipóteses de conivência ou negligência. Ainda que não haja jurisprudência sedimentada a respeito dos preceitos legais aqui apontados, é indiscutível que seria impróprio exigir-se do administrador a total salvaguarda do complexo e dinâmico expediente de uma grande empresa. Por essa razão, conselheiros não devem ser responsabilizados por ilícitos praticados por diretores se a constatação requerer investigação demasiada, análise de dados não disponíveis, e assim por diante. Por outro lado, é absolutamente viável demandar do administrador o monitoramento das principais atividades da companhia e dos contratos correlatos, seja em razão de conteúdo estratégico ou alto valor envolvido.
Da mesma forma que não se deve ignorar a responsabilidade civil a despeito de inexistir jurisprudência consolidada em casos de insider trading ou de manipulação do mercado acionário, entre outros ilícitos desta seara, o administrador deve ter claro que é seu dever legal acompanhar detidamente as atividades de seus pares, cabendo-lhe consignar em ata suas divergências ou leva-las ao conhecimento dos demais órgãos, a fim de evitar sua responsabilização por atos irregulares dos demais membros da administração ou até mesmo de seu antecessor.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição nº 3.713, de 12/03/2015, página E2
O presente artigo foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.