Por: Paloma Justo de Macedo Teixeira
Apesar do atual cenário econômico-financeiro nacional, é cediço que o Brasil, em especial nos últimos quatro anos, tornou-se vitrine mundial, o que de certo modo, seja para o bem ou para o mal, requer novas formas de repensar as relações de consumo, em especial as técnicas de marketing em qualquer de suas modalidades.
Nesta esteira, cabe ao direito a resposta ao relevantíssimo papel que este fenômeno assume na sociedade de consumo, estabelecendo relação com diversos tipos de policitação. De um lado, temos o consumidor considerado presumivelmente vulnerável, que se apoia na legislação cogente e protetiva, de outro, aquele que através da publicidade pretende ver seu produto ou serviço conhecido, visibilidade que se traduz em maiores rendimentos e sobrevivência no mercado, mas se vê vigiado pelo Estado ao traçar as balizas e diretrizes que deverão ser observadas para um “jogo limpo”.
Em meados da década de 90, devido ao avanço irremediável da sociedade consumerista e da vertiginosa economia de produção, tornou-se premente a criação de um manto normativo protetivo mais condizente com a atual conjuntura, vez que o Código Civil à época (CC/1916 – reformulado em 2002 estabelecendo notórios avanços na seara negocial), não tratava da matéria de forma específica.
Na ortodoxia contratual, em especial no direito francês, vigia a regra de que a policitação em sentido amplo não gerava qualquer obrigação. Tal situação ganhava contornos dramáticos na oferta ao público, terreno fértil para a insegurança jurídica.
Todavia, antes de mergulharmos no universo jurídico que rege as relações de consumo devemos, por questão de lógica, singelamente contextualizar os conceitos de propaganda e publicidade. Publicidade e propaganda embora gêmeas, não são iguais, e por isso são utilizadas erroneamente no cotidiano vulgar como sinônimas. Tem-se que aquela tem como escopo primordial e único, o comércio, enquanto esta última é mais diluída e pode ter como objetivo viés ideológico, filosófico, político, econômico e social.
Nesta toada, não se pode olvidar da responsabilidade dos sujeitos envolvidos, da força vinculativa da proposta, as consequências na recusa pelo ofertante, os conceitos de publicidade abusiva e enganosa, além dos princípios que permeiam o sistema jurídico consumerista. Há de se falar ainda sobre a reponsabilidade do “veículo”, bem como da celebridade que endossa a aludida propaganda violadora dos direitos do consumidor.
Pois bem, como regra, quem veicula não é a mesma pessoa que fornece, no entanto, não raras as vezes, o veículo é diretamente interessado no anúncio, seja porque o serviço ou produto objeto do anúncio é por este controlado, seja porque recebe comissão proporcional a adesão dos consumidores.
De certo, após o regramento jurídico a vinculação da oferta passou a ser um dos princípios informadores do marketing em qualquer de suas modalidades, encontrando justificativa no potencial persuasivo das técnicas de propaganda. Dois requisitos são necessários para a incidência do princípio da vinculação: a externalização traduzida na veiculação; e a mínima precisão da informação que se veicula.
Extrai-se, então, que o Código de Defesa do Consumidor não se limitou ao regramento das relações contratuais de consumo, trata-se ao mesmo tempo de norma que, tal como o novo código civil, é pautada pelo viés legislativo da eticicidade e (re)personificação das relações de consumo, antecipando-se, ao negócio jurídico, ao regulamentar técnicas de estimulação do consumo – publicidade – quando não há tecnicamente consumo, e sim mera expectativa, todavia, já presentes os deveres anexos que terão ser observados, antes, durante e após a relação propriamente dita.
Indaga-se assim, quais as consequências da recusa pelo ofertante, ou ainda, qual o resultado prático, se este não tiver condições de cumprir o que prometeu? Havendo a recusa indevida do ofertante o consumidor poderá exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos ofertados, ou ainda aceitar outro bem de consumo equivalente? Poderá rescindir o contrato cabendo-lhe a restituição do que efetivamente já pagou, corrigido monetariamente, além de eventuais perdas e danos?
No mais, é vital que a propaganda seja clean, livre de vícios. Para tanto, não poderá ser enganosa ou abusiva, conceito largamente conhecido, porém deverás mal interpretado. A primeira espécie de publicidade perniciosa ao consumidor é aquela considerada enganosa, que afeta sanidade do próprio mercado, provocando uma distorção no processo decisório do consumidor, levando-o a adquirir produtos ou serviços que, caso tivesse conhecimento, talvez jamais adquirisse.
A grande sacada decorre exatamente do fato que a publicidade enganosa nem sempre é evidentemente falsa. Para nós, e para que fique claro ao leitor, valendo-se de um critério residual, pode-se afirmar que tudo aquilo que, contrariar o sistema valorativo da Constituição e das leis, ainda que não seja enganoso, é abusivo. Afinal, os princípios que norteiam a interpretação e aplicação da lei ao caso concreto podem ser considerados a “espinha dorsal”, vez que conferem vida ao texto frio da lei. Em matéria de direito do consumidor, a inobservância de um princípio acarreta o colapso de todo um microssistema protetivo voltado a regular a relações de consumo.
A par disso, o que se pretende não é engessar a publicidade (e seus aspectos criativos), ao contrário, almeja-se a produção de modo a não influir negativamente na decisão do destinatário final, possibilitando o êxito na relação de consumo e o alcance do objetivo final da publicidade.
Artigo publicado no site Migalhas – edição nº 4.045 de 03 de fevereiro de 2017
O presente artigo foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.