Por: Rafael Federici
As Juntas Comerciais de diferentes estados Brasileiros — especialmente a do Estado de São Paulo — vêm condicionando o arquivamento dos atos societários de incorporação de empresas à apresentação, pela sociedade incorporadora, de Certidão Negativa de Débitos relativos às contribuições previdenciárias, com finalidade específica de extinção de sociedade empresária (mais conhecida como “finalidade 3”).
A mesma formalidade é prevista para operações de extinção, transformação, fusão, cisão total ou parcial de empresas, redução do capital social e transferência do controle de quotas.
Esta exigência imposta pelos órgãos de registro empresarial não é exatamente nova, mas ultimamente vem atraindo maior atenção das empresas, executivos e profissionais em geral envolvidos em operações societárias, dado o aquecimento da economia nacional nos últimos anos (a despeito da recente crise bancária americana) e o conseqüente crescimento do número de operações de reorganização de empresas e de mercados.
A certidão com “finalidade específica” é disciplinada pela Instrução Normativa MPS/SRP nº 3, de 14 de Julho de 2005 (vide artigo 527, parágrafo único, cumulado com artigo 532, III, “b”), cuja expedição, na maioria dos casos, pressupõe uma fiscalização prévia na empresa, sem que haja prazo estipulado na referida norma para que o órgão previdenciário realize tal fiscalização.
No âmbito da Junta Comercial do Estado de São Paulo, tal exigência já foi inclusive sumulada através do Enunciado nº 21 deste órgão. No entanto, tal exigência a um só tempo está maculada de irregularidades de natureza material e formal.
Do ponto de vista material, importa dizer que nenhuma das leis que estabelecem a obrigatoriedade de apresentação de certidão negativa para registro de operações societárias prevê a figura da certidão com “finalidade específica”. O exemplo mais flagrante pode ser encontrado na Lei 8.212 de 24 de Julho de 1991, que disciplina a seguridade social no país, e cujo artigo 47, I, “d” trata especificamente da apresentação de certidão negativa para arquivamento de atos societários, porém sem mencionar a figura da certidão com “finalidade específica”.
Sob a ótica infralegal ocorre o mesmo, como se pode verificar das Instruções Normativas nº 88 e 105, ambas expedidas pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), que também não tratam de tal certidão específica.
No que se refere à Lei 8.934 de 18 de Novembro de 1994, que dispõe sobre o registro público de empresas, sequer há previsão de apresentação de certidão negativa para o arquivamento de atos societários tais como os acima especificados.
Do ponto de vista formal, há flagrante violação de princípios constitucionais como os da legalidade e da hierarquia das leis, na medida em que uma norma infralegal, na modalidade de “Instrução Normativa”, não pode alterar um regramento estabelecido por lei federal. E foi justamente o que ocorreu quando a IN MPS/SRP nº 3, citada acima, criou uma exigência adicional não prevista na também citada Lei 8.212/91.
A título de curiosidade sobre o tema aqui tratado, vale citar o louvável esforço do Dr. Gustavo Tavares Borba, Procurador da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, que se dispôs a formular em março de 2007 uma consulta dirigida ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, demonstrando a falta de amparo legal para a exigência da citada certidão com “finalidade específica”. Referida consulta culminou na expedição da Nota Técnica DNRC/COJUR nº 042/07, opinando — ainda que sem fundamento lógico ou embasamento legal — pela manutenção da exigência pelos órgãos de registro mercantil no país.
Portanto, a exigência indevida de Certidão Negativa de Débitos com finalidade específica de baixa de empresa, no âmbito do arquivamento dos atos societários acima descritos, é medida que viola direito líquido e certo das empresas que se encontram nesta situação, possibilitando às mesmas a via do Mandado de Segurança para garantir o referido arquivamento sem a necessidade de apresentação da citada certidão específica.
Por fim, vale esclarecer que a urgência na busca de uma medida judicial é invariavelmente necessária, uma vez que em casos como o de incorporação de uma empresa por outra, a sociedade incorporadora tem providências acessórias e prazos a cumprir a partir da aprovação, pelos respectivos sócios, dos atos societários da incorporação. O próprio arquivamento na Junta Comercial, dentro do prazo de 30 dias, é exemplo de formalidade essencial, a teor do artigo 36 da Lei 8.934/94. Outra providência necessária é a baixa do CNPJ da sociedade incorporada (o mesmo se aplica a operações de fusão e cisão) no prazo aproximado de 60 dias, conforme dispõe a Instrução Normativa SRF nº 200 de 13 de setembro de 2002 (art. 24, §17, II).
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 18/06/2008
O presente artigo foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.