Por: Mario Comparato
Foi noticiado recentemente que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a aplicação da sistemática da repercussão geral em relação ao julgamento do aumento da alíquota da COFINS trazido pela Lei nº 9.718/98. Para muitos essa notícia deve ter causado grande surpresa, uma vez que durante alguns anos esta questão foi tida como definida pelo Poder Judiciário e, agora, volta novamente à tona.
Rememorando, além da discussão relativa ao aumento da alíquota da COFINS de 2% para 3%, a Lei nº 9.718/98 ficou conhecida por desencadear intensos debates em razão do alargamento das bases de cálculo desta contribuição e da contribuição ao PIS, sem que houvesse sustentáculo constitucional para tanto. Muitas empresas foram ao judiciário questionar ambas alterações.
O fato é que, no que diz respeito ao aumento da alíquota da COFINS propriamente dita, a discussão inicialmente levada a julgamento do STF se referia à possibilidade de compensação de um terço da COFINS paga no ano de 1999 com valores da contribuição social sobre o lucro, devidos exclusivamente naquele ano. Isto porque, aqueles que não obtivessem lucro fiscal em 1999, mesmo pagando o adicional da alíquota da COFINS, não poderiam efetuar a noticiada compensação, o que os colocaria em posição desfavorável em relação aos demais contribuintes, violando assim o Princípio Constitucional da Isonomia.
O julgamento do Supremo Tribunal Federal, levado a efeito em 2003, avaliou a questão justamente sob este aspecto, sendo reconhecido pelo tribunal que a possibilidade de compensação dos valores pagos a maior de COFINS, com parcelas devidas de CSSL, no ano de 1999, não ofendia o Princípio da Isonomia. Todavia, a discussão relativa à constitucionalidade do aumento da alíquota estaria longe de terminar, já que ainda existiam diversos argumentos dos contribuintes pendentes de apreciação pela Suprema Corte.
O que surpreendeu, a partir de então, é que muitos recursos que versavam sobre a matéria, mesmo com outros fundamentos de inconstitucionalidade, passaram a não ser admitidos nos tribunais de origem ou serem julgados por decisões monocráticas, sob o argumento de que o Supremo Tribunal Federal já teria posicionamento definitivo sobre a constitucionalidade do aumento.
Como isso, muitos contribuintes acabaram desistindo das ações que haviam proposto, mesmo ainda possuindo decisões favoráveis perante o poder judiciário, para aproveitar anistias de multa e juros que foram concedidas pelo governo federal no período. Há situações nas quais os contribuintes tiveram de desistir dos direitos sobre os quais se fundavam as ações por exigência das Leis que trouxeram as mencionadas anistias, e não somente das ações propriamente ditas. Essa exigência legal, somos levados a crer, objetivava evitar a renovação dos processos por esses contribuintes na hipótese da matéria vir a ser re-analisada e ser reconhecida a inconstitucionalidade do aumento da alíquota da contribuição.
No início de 2007 chegou a ser proposto, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, enunciado que reconhecia a constitucionalidade de tal aumento, o que acabou não se concretizando, pois a atual composição daquele tribunal reconheceu que deveria haver um julgamento mais abrangente e definitivo sobre a matéria.
Não somente existiam argumentos já deduzidos nas ações que não tinham sido analisados pelo plenário do STF, como também, com o julgamento da inconstitucionalidade do alargamento das bases de cálculo do COFINS e do PIS, finalizado em 2006, novos contornos acerca da inconstitucionalidade vieram à tona.
Seja qual for o destino a ser dado à controvérsia, o que este histórico nos demonstra é a insegurança que as idas e vindas da jurisprudência pode trazer. Especialmente no tocante às discussões em matéria tributária, cuja repercussão afeta sempre um grande número de contribuintes e envolve valores substanciais, as mudanças no curso da maré podem trazer prejuízos irrecuperáveis.
Mesmo se o Supremo Tribunal Federal vier a reconhecer a inconstitucionalidade do aumento de alíquota promovido pela Lei nº 9.718/98, é possível dizer, a grande maioria dos contribuintes poderá não ser beneficiada. Isso não é novidade, pois, no geral grande parte não se insurge contra as exigências indevidas, aguardando um “posicionamento definitivo” sobre a matéria e acaba vendo seu direito, ou parte dele, ser corroído pela decadência.
A surpresa neste caso, é que, diferentemente das situações anteriores, a demanda de ações questionando as alterações da referida Lei foi substancial, porém, muitos acabaram sucumbindo e desistindo da guerra ao fim da primeira batalha. Que fique a lição. Ainda que reconhecida a “repercussão geral” da matéria, a eficácia de eventual reconhecimento de inconstitucionalidade certamente deverá ser limitada.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 03/09/2008
O presente artigo foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.