Por: Fabiana Siqueira de Miranda Leão
A obrigação de reparação dos danos causados a outrem, sedimentada em nosso ordenamento jurídico e prevista no Código Civil, é um tema recorrente e que tem sua ascensão e aprimoramento juntamente com o crescimento da sociedade e em decorrência da necessidade de adequação e da coexistência das pessoas que nela convivem.
Como se sabe, todo aquele que violar um dever jurídico tem a obrigação de reparar e compensar o dano causado, seja material ou imaterial, este último entendido como aquele causado de forma extrapatrimonial – a exemplo, danos causados à personalidade, honra, imagem ou liberdade de alguém.
E é na seara do dano imaterial, mais conhecido como dano moral, que ocorrem inovações na medida em que a sociedade cresce e se desenvolve.
Neste sentido, uma das modalidades de reparação civil em evidência é a do dano moral pela perda do tempo útil.
Notório que a massificação do consumo e a sua virtualização abriram portas para o aumento das demandas relacionadas a questões dele decorrentes, inclusive as relacionadas ao tempo gasto para que o consumidor resolva problemas a que não deu causa. Trata-se de inúmeras e longas ligações telefônicas com atendentes que, propositadamente ou não, não são capazes de solucionar os problemas, diversas idas a uma loja ou assistência técnica de produtos, esperas infindáveis em filas de bancos, atrasos ou cancelamentos de voos, dentre outros, que fazem o consumidor desperdiçar o seu tempo e desviar-se de atividades necessárias ou preferidas.
Daí tem-se que o tempo útil, cada vez mais escasso devido à modernização e ao desenvolvimento da coletividade, quando indevidamente perdido por consequência da falha na prestação de serviços e até mesmo do descaso ou conveniência de algumas empresas com seus consumidores, deve ser recompensado, reconhecendo-se o denominado “desvio produtivo do consumidor”, tese elaborada pelo advogado Marcos Dessaune (Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 201).
Este reconhecimento da importância do tempo na vida contemporânea, a fim de considera-lo como um bem juridicamente relevante e, consequentemente, tutelado pelo Estado é reflexo da atualização do Judiciário e sua adequação às necessidades do indivíduo moderno. Somente o titular do tempo pode dele dispor, e por tal motivo a sua perda causada por terceiros de modo a extrapolar o razoável tem sido reconhecida de forma autônoma como uma ofensa aos direitos da personalidade e afronta aos direitos relacionados à dignidade humana.
Conforme adverte o Desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho do E. TJRJ[1], “o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como um sinal de uma sociedade que não está disposta a suportar abusos”.
Deste modo, a necessidade cada vez mais premente da sociedade utilizar seu tempo de forma proveitosa, bem como a busca cada vez mais atual por qualidade de vida, somada ao consumo crescente e ao despreparo das empresas para atender às suas demandas, têm levado a jurisprudência a dar seus primeiros passos para solucionar infortúnios experimentados por consumidores vítimas de tal desídia, passando a admitir a reparação civil específica para a perda do tempo livre ou útil, apesar de haver ainda alguma resistência de alguns Tribunais.
O entendimento tem sido no sentido de que a perda desarrazoada do tempo ocasionada por terceiros, sem a vontade ou a possibilidade de livre escolha do consumidor, deve ser indenizado por ser algo que não pode ser devolvido ou recuperado.
Por óbvio, de suma importância que sejam coibidos os abusos e excessos, ainda tão presentes em nosso Judiciário no campo das indenizações. O cidadão deve ter uma tolerância àquilo que é razoável e às situações que fazem parte do cotidiano e da vida em sociedade. O fato causador do dano deve ter o potencial de retirar a vítima de seu estado psicológico normal, a fim de se autorizar a reparação necessária.
E é com sensibilidade para com as situações que de fato ultrapassam a fronteira entre o razoável e o intolerável que devem atuar nossos magistrados, para que o assunto não se torne demasiadamente judicializado e esta modalidade de dano moral não seja banalizada, mas ao mesmo tempo seja possível ensejar àqueles que foram vítimas de desrespeito e abuso de seu tempo útil o recebimento de justa reparação pelo dano que sofreram, compelindo, também, os prestadores de serviço a melhorar a sua qualidade e o respeito dispensado aos consumidores que deles dependem.
Artigo publicado no site Migalhas edição nº 4.001 de 05 de dezembro de 2016
[1] Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual, in AMAERJ Notícias Especiais, n. 20, junho/2004.