Auxílio moradia e alimentação dos médicos residentes – imposição indevida às instituições de saúde. Necessidade de uniformização de decisões

Por: Luana Andrade Diniz

Assunto cada vez mais discutido no campo do direito médico, e que causa controvérsia, é o auxílio moradia e alimentação destinado aos médicos residentes. As ações judiciais com objetivo de receber o referido benefício estão aumentando a cada dia. Fulcrados na lei nº 6.932/1981, editada pela lei 12.514/2011, que disciplina acerca das atividades do médico residente, além de outras providências, os profissionais começaram a requerer judicialmente o pagamento da benesse durante a residência, bem como a conversão deste auxílio em perdas e danos, na hipótese do residente já ter finalizado o programa.

No entanto, referida lei, em seu artigo 4º, §5º dispõe:

“Art. 4º Ao médico-residente é assegurado bolsa no valor de R$ 2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais.

(…)

§ 5º A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência:

I – condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões; II – alimentação; e

III – moradia, conforme estabelecido em regulamento.” (grifos nossos)

Da leitura do comando acima transcrito, extrai-se que as instituições de saúde devem ofertar alimentação e moradia aos médicos residentes nos termos estabelecidos em regulamento. Todavia, a legislação é obscura quanto ao estabelecimento deste regulamento, pois não informa a quem compete esta regulamentação, ou seja, se deverá ser confeccionada pelas entidades de saúde ou se é o caso de norma competente ao poder público.

O Superior Tribunal de Justiça, de forma equivocada, indica posicionamento de que as instituições de saúde, na impossibilidade de prestação de auxílio-moradia, deverão adotar medidas que gerem resultado paralelo, no caso, o auxílio in pecúnia.

Contudo, em que pese o entendimento do E. STJ, as instituições de saúde não detêm competência para editar um regulamento nos moldes como pretendido pelo legislador (Lei nº 12.514/2011), pois trata-se de norma inerente a toda a categoria de médicos residentes, logo, compete ao Ministério da Educação através da CNRM (Sistema da Comissão Nacional de Médicos Residentes) prever a forma em que se dará esta oferta de moradia pelas instituições de saúde, inclusive seu custeio.

Como cediço, o pagamento da bolsa é feito integralmente pelo Ministério da Educação, conforme Portaria Interministerial nº 03/20161.

Desta maneira, tendo em vista que a bolsa dos residentes é regulamentada e custeada pelo poder público, o referido auxílio também deveria ser, do contrário, implicará despesa adicional e não prevista às entidades prestadoras de serviços de saúde. Podendo, inclusive, culminar com  a extinção do programa de residência em diversos hospitais, em razão do incremento financeiro na atividade.

De fato, simplesmente repassar o custo de uma despesa criada pelo governo para as instituições privadas, sem estabelecer qualquer tipo de compensação, não parece ser a melhor forma de tratar a situação. Apesar de, aparentemente, ser o caminho mais fácil, a solução pode gerar desequilíbrio financeiro no já abalado sistema de saúde.

Ressalte-se que a ausência de previsão contábil para esse tipo de demanda é séria e pode, de fato, afetar financeiramente as instituições de saúde, pois ao determinar o pagamento retroativo do benefício, o Judiciário impõe aos Hospitais despesa não provisionada, e pior, ocorrida em exercícios financeiros já encerrados.

Inobstante, a lei nº 6.932/1981, editada pela lei 12.514/2011, ao estabelecer o auxílio não determinou as diretrizes para sua obtenção, em outras palavras, a quem a benesse deverá ser concedida, quando pode ser solicitada, por qual valor e por quanto tempo e se é devida aos médicos que residem no estado e/ou município da instituição de saúde em que cursam a residência.

A falta de critérios da Lei acarreta divergências nos     tribunais dos Estados Membros, produzindo decisões antagônicas e desproporcionais, resultando, ao final, em insegurança jurídica.

Conforme exposto, as ações em curso foram propostas por médicos residentes e profissionais que já concluíram o programa, mas agora requerem a conversão do auxílio em perdas e danos.

Dessa forma, na prática, o que se tem perante ao Judiciário, são diversas demandas, fundadas em casos práticos diferentes, seja em razão da localidade, domícilio do médico em questão, valor envolvido etc, gerando precedentes incompatíveis com a realidade dos hospitais.

Frente a este cenário, a melhor medida seria a suspensão destas demandas até que se possa estabelecer um entendimento uniformizado a respeito de vários aspectos constroversos do benefício, por consequência, desobrigando as instituições de Saúde do referido pagamento, até que seja feita a devida regularização do benefício pelo órgão competente, incluindo, na análise, eventual compensação para as instituições privadas.

1http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=PesquisaLegislacao&dif=s&ficha=1&id=13738&tipo=PORTARIA%20INTERMINISTERIAL&orgao=Minist%E9rio%20da%20Educa%E7%E3o/Minist%E9rio%20da%20Sa%FAde&numero=3&situacao=VIGENTE&data=16-03-2016.

Publicado em 15/06/2023 no Portal MIGALHAS – Edição nº 5.622

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