A racionalidade na construção das decisões judiciais face a influência da opinião pública nos tribunais superiores

Por: Veridiana Vallada Antão

Uma decisão judicial é muito mais do que obediência às normas jurídicas. Ao decidir, o julgador, além de cumprir um dever do Estado, aplica e exerce suas próprias convicções. Ou seja, o julgador aplicará, dentro dos limites de sua individualidade, uma parte flexível de suas convicções.

Assim, para um único caso concreto haverá opções de decisões. A escolha será tomada a partir de sua comparação e o consequente reconhecimento de qual melhor soluciona o caso dado. Ocorre que para esta averiguação é necessário o enfrentamento de um aspecto tangencial que delimitará os critérios a serem empregados.

Fato é que, mesmo havendo diferentes possibilidades dentro da “moldura”, o Direito será exercido por comandos não normativos, como a política jurídica, que levam em conta os valores e fatos sociais.

Entretanto, as teorias que analisam a construção das decisões judiciais, dentro do campo da Filosofia e Teoria do Direito, não conseguem descrever como os juízes realmente decidem e, sobretudo, como as cortes superiores funcionam na prática.

Como sabido, decidir é muito mais do que uma obediência às normas jurídicas. A autoridade julgadora, além de cumprir um dever do Estado, “exercita uma parte flexível de suas próprias obrigações e limites no isolamento de sua individualidade e sob o influxo de procedimentos que pendulam entre o conteúdo da decisão e sua exteriorização formal, a sentença”. (MONTEIRO, 2007, p. 6105).

Sendo assim, uma decisão judicial nada mais é que uma linguagem normativa de um processo comunicativo que tem como pressuposto a intersubjetividade entre os membros de uma sociedade. É o exercício do poder da própria sociedade, sendo o Direito, além de um fenômeno social, um fenômeno decisional.

A partir de 2012, com o julgamento do Mensalão[1], as decisões do Supremo Tribunal Federal passaram a ser mais sensíveis às vozes das ruas. A opinião pública tomou conta da Suprema Corte que, pela primeira vez, condenou agentes políticos corruptos em longas sessões televisionadas. Em um cenário como este, os Ministros são atraídos ou repelidos pela opinião pública ao sabor dos campos de força que se formam em torno do assunto em debate.

Desde 2002, o então presidente da Corte Min. Marco Aurélio Mello, determinou que as sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal seriam transmitidas ao vivo pela TV Justiça[2]. Não obstante, a internet possibilitou de forma rápida e completa as transmissões, através, principalmente, das redes sociais como Twitter, Facebook e Youtube que, diariamente, publicam conteúdos, notícias e informações jurídicas.

De certo modo, esta ostensiva publicidade do Supremo Tribunal Federal é aclamada, já que ela representa a transparência da atuação do Judiciário (representada pela Corte), dando a sensação do fortalecimento do Estado Democrático de Direito através do acesso da sociedade aos julgamentos, o que possibilita, consequentemente, uma maior participação e mobilização quanto aos problemas do país ali tratados.

Entretanto, as transmissões da TV Justiça transformaram os Ministros em protagonistas de um teatro político que fragiliza o espírito de colegialidade, fazendo com que os julgamentos sofram uma dinâmica imprevisível.

Esta massiva publicidade acarreta certo populismo judicial uma vez que os Ministros, naturalmente, utilizam deste meio como uma oportunidade para se destacarem. É certo que a transmissão ao vivo dos julgamentos é apenas um dos elementos que influenciam o processo decisório da Suprema Corte. Todavia, há um senso comum equivocado que parece se esconder por trás das discussões sobre o Supremo Tribunal Federal. (SILVA; MENDES, 2009).

Virgílio Afonso da Silva e Conrado Hübner Mendes destacam que as transmissões ao vivo dos julgamentos criam uma falsa transparência institucional, pois não geram nenhum efeito direto na qualidade dos julgamentos. Todavia, o que, de fato, se pode identificar nas transmissões dos julgamentos é apenas a agregação de onze opiniões pessoais que não possuem a menor pretensão em construir uma decisão institucional.

Em outras palavras, há uma personalização da figura do julgador – o que confronta diretamente o princípio do colegiado. Tanto a sociedade civil, quanto a comunidade jurídica passam a identificar os Ministros como pessoa do processo e estes, por sua vez, se preocupam com sua imagem na mídia.

Não é incomum constatar-se, através das transmissões dos julgamentos, a vaidade e o receio às críticas que os Ministros possuem durante o processo decisório. Ao invés dos Ministros realizarem um debate em busca da melhor decisão para o caso concreto, há a defesa de suas posições individuais.

E é justamente sob esta ótica que a ideia de sessão secreta de julgamento do Supremo Tribunal Federal – como ocorre nas Cortes norte-americana e inglesa[3]– parece interessante, pois fomentaria um debate mais sincero dando margem para um melhor desempenho deliberativo. Os juízes estariam mais dispostos testarem argumentos mesmo que eles não estejam seguros de que sejam os melhores. (SILVA, 2013, p. 582).

Impossível afirmar se as Cortes Brasileiras (e a população como um todo) estão prontas para sessões secretas. A verdade é que os cidadãos sabem muito pouco o que efetivamente ocorre (e o que se discute) no Poder Judiciário. Os fatos e informações que chegam até seu conhecimento são intermediados pela imprensa. Assim, todo relato é, de certa forma, uma versão produzida pela subjetividade de quem trata aquela informação.

Ocorre que os magistrados – como qualquer cidadão – estão sujeitos a esta exposição, já que a mídia é o principal elo entre os juízes (principalmente de uma corte constitucional) e demais grupos com os quais os julgadores se importam, tais como amigos, comunidade jurídica, movimentos sociais e opinião pública.

Diante desta análise, é possível compreender que os julgadores – representados aqui pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal – estão sujeitos a sofrer diversas influências – sejam elas institucionais, pessoais ou sociais – que podem afetar diretamente na tomada de decisão em grupo.

Diante de tal quadro, casos de grande projeção, que inflamam a mídia e consequentemente a população, podem refletir diretamente no posicionamento da Corte, que acaba proferindo decisões divergentes ou convergentes da visão dominante da comunidade. Como mencionado, convergir ou divergir da opinião pública não deveria ser um critério relevante de legitimação das decisões políticas ou judiciais.

Na verdade, ao final, tem-se que a articulação entre o ordenamento jurídico e demais critérios empregados pelo julgador não o isentam da responsabilidade em relação à sua tomada de decisão, razão pela qual a racionalidade na construção da decisão judicial passa, necessariamente, pela administração desses fatores que influenciam a alma do julgador.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei nº 10.461/2002. Diário Oficial da União de 20 mai. 2002.

FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2016.

MELLO, Patricia Perrone Campos. A Vida Como Ela é: Comportamento Estratégico Nas Cortes. Life How It Is: Strategic Behavior In The Courts. Revista Brasileira de Políticas Públicas 8.2, 2018.

_____________________________.  Quando julgar se torna um espetáculo: a interação entre o Superior Tribunal Federal e a opinião pública, a partir de reflexões da literatura estrangeira. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 1, 2017.

MENDES, Conrado Hübner. Onze ilhas. Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Opinião, 2010.

MONTEIRO, Cláudia Servilha. Fundamentos para uma teoria da decisão judicial. XVI CONGRESSO DO CONPEDI. 2007. Disponível em: <    http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/claudia_servilha_monteiro.pdf. >.

__________________________. A decisão racional na teoria dos jogos. In: Anais do XVII Encontro Preparatório Para o Congresso Nacional do Conpedi, Fundação Boiteux, Salvador, 2008. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/salvador/claudia_servilha_monteiro.pdf>.

RECONDO, Felipe; WEBER, Luiz. Os onze: O STF, seus bastidores e suas crises. 1ª. Ed. – São Paulo: Campanhia das Letras, 2019.

SILVA, Virgílio Afonso da. Deciding without deliberating. International Journal of Constitutional Law, v.11, 2013.

______________________; MENDES, Conrado Hübner. Entre a transparência e o populismo judicial. Folha de São Paulo, São Paulo, maio, 2009. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1105200908.htm>.

ZARONI, Bruno Marzullo Julgamento Colegiado e a Transparência na Deliberação do STF: Aportes Do Direito Comparado. Revista de Processo Comparado. vol. 2. 2015

Artigo publicado no portal Migalhas edição nº 5.482 de 22/11/2022

O presente artigo foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.


[1] O escândalo do Mensalão consistiu em um esquema de desvio de dinheiro público, onde eram realizados repasses de fundos de empresas à partidos políticos em troca de apoio político.

[2]O Ministro Marco Aurélio, presidente interino no governo de Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei nº 10.461/2002 que dispõe, em seu art. 23, inciso I, acerca da inclusão da TV Justiça no serviço de TV a cabo. A medida foi tomada em virtude do déficit de informações de emissoras quando às notícias do âmbito do judiciário, a fim de possibilitar uma maior informação e participação da sociedade quanto às principais decisões, direitos e deveres.  (BRASIL,2002).

[3] “De acordo com o que comprovam as experiências norte-americana e inglesa, ainda que os votos dissidentes e concorrentes sejam aspectos do modo colegiado de decidir na common law, a existência de uma etapa de deliberação secreta é considerada vital, já que permite o franco debate e a disposição para sopesar criteriosamente os argumentos ventilados pelas partes, num contínuo processo de reflexão e discussão colegiada”. (ZARONI, 2015, p. 3).