Por: Jamille Barreto Quadros Souza
Os arts. 765 e 878 da CLT combinados com o art. 2º do CPC/2015 concedem ampla liberdade ao Juiz do Trabalho na condução e direção do processo, especialmente na fase de execução, podendo, com o objetivo de resguardar e assegurar a satisfação do crédito trabalhista de natureza alimentar, determinar provimentos jurisdicionais de natureza cogente buscando a rápida e efetiva solução do litígio.
Neste sentido, além das medidas executivas típicas, o CPC no art. 139, IV dispõe que:
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária”.
Sendo assim, é possível que o Magistrado, através da ampla condução do processo que é assegurada, determine outras medidas com o fim de dar efetividade à decisão judicial, são as chamadas medidas executivas indiretas atípicas.
São consideradas medidas executivas atípicas, por exemplo, apreensão de passaporte, suspensão da CNH, cancelamento de cartões de crédito, proibição de participar de licitações, dentre outras.
A discussão da aplicabilidade dessas medidas é ampla e está longe de ser pacífica, notadamente em razão da possibilidade dessas medidas afetarem não o patrimônio do devedor, mas a sua própria pessoa, o que vai de encontro ao nosso Ordenamento Pátrio que prima pela responsabilidade patrimonial, vedando a execução sobre a pessoa do devedor.
No âmbito do STJ em reiteradas decisões – a exemplo do REsp 1.864.190, REsp 1.782.418 e REsp 1.788.950 – ficou decidido que os meios de execução indireta previstos no art. 139, IV do CPC têm caráter subsidiário em relação aos meios típicos e que só devem ser deferidos se houver no processo indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável, pois, do contrário, não seriam consideradas medidas coercitivas aptas para a satisfação do crédito, mas apenas punitivas.
Na seara trabalhista, a adoção das referidas medidas com o objetivo de coagir psicologicamente o devedor a arcar com o crédito do Reclamante, também passa ao largo de ser pacífica.
No âmbito do próprio Tribunal Superior do Trabalho, as decisões são diversas. De logo, insta ressaltar que, nos termos da Instrução Normativa nº 39/2016 do TST, que dispõe sobre a aplicabilidade das normas do Código de Processo Civil de 2015 ao Processo do Trabalho, o art. 139, IV do CPC é aplicável aos processos trabalhistas.
A SDI-II do TST vem continuamente julgando recursos que discutem a validade das medidas atípicas aplicadas a devedores trabalhistas, notadamente suspensão da CNH e apreensão de passaporte.
No julgamento do Recurso Ordinário no Processo nº 1237-68.2018.5.09.0000, de relatoria da Ministra Delaíde Miranda Arantes, a SDI-II, por unanimidade, reputou válida a medida de suspensão da CNH do sócio que dificultava a execução da sentença.
Ao decidir pela manutenção da medida atípica de caráter excepcional, ponderou que alguns pressupostos devem ser observados para tanto:
i) a inexistência de patrimônio por parte do devedor para quitar os débitos trabalhistas, aferido após a utilização de todas as medidas típicas sem sucesso;
ii) decisão fundamentada, considerando as particularidades de cada caso em análise, especialmente a conduta das partes na execução;
iii) submissão ao contraditório; e
iv) observância dos critérios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência.
Em julgamento recente do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança no Processo nº 10342-49.2020.5.18.0000, cujo acórdão foi publicado em 06/05/2022, a SDI-II conheceu e proveu o Apelo para conceder a segurança e cassar o ato do Magistrado de 1º Grau que determinou a suspensão da CNH do executado.
Na decisão, a Eg. Subseção decidiu que:
“(…) a mera insolvência do devedor não basta para autorizar o uso de medidas atípicas de execução fundamentadas no art. 139, IV, do CPC de 2015. Sinalo que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a adoção das medidas atípicas previstas no referido dispositivo legal exige a observância, pelo Magistrado, dos parâmetros necessários de adequação, razoabilidade e proporcionalidade da medida consistente na suspensão da CNH do devedor frente às causas que sustentam a insolvência do executado.
Em outros dizeres, é necessário que se aponte em que sentido a adoção dessa medida extrema pode viabilizar o pagamento do crédito exequendo, além de se demonstrar a prática de atos, pelo devedor, capazes de justificar a determinação de suspensão da CNH, tais como a ostentação de sinais de riqueza ou mesmo a adoção de padrão elevado de vida incompatíveis com o inadimplemento da obrigação constituída no título executivo judicial, de modo a comprovar que o devedor, embora possuindo patrimônio, esteja frustrando deliberadamente a execução.” (destaque da autora)
Além da observância da proporcionalidade, razoabilidade e da adequação da medida atípica adotada, é imprescindível verificar se esta não ensejará qualquer restrição ao exercício profissional do devedor executado.
Neste sentido, seria abusiva, por exemplo, a concessão de medida de suspensão da CNH de devedor que trabalhe dirigindo veículo, como os motoristas. No mesmo sentido, apreensão de passaporte de devedor que trabalhe realizando viagens ao exterior também impedirá que exerça a sua atividade profissional, indo de encontro a garantia constitucional do art. 5º, XIII da CF.
O Enunciado 166 do 3º Fórum Nacional de Processo do Trabalho (FNPT) corrobora neste sentido:
“Diante da frustração das medidas típicas executivas, a apreensão de passaporte é medida eficaz e autorizada pelos artigos 765 da CLT e 139, IV do CPC, desde que o documento não constitua instrumento indispensável para o exercício das atividades profissionais do executado”.
Assim, tem-se que as medidas executivas atípicas tem o condão de coagir psicologicamente o devedor com o objetivo da satisfação do crédito alimentar do Reclamante, entretanto, tais medidas devem ser manejadas de forma subsidiária e restritiva.
O Magistrado deverá analisar caso a caso quanto a possibilidade da eficácia do ato para o fim a que se pretende – a satisfação do crédito do Reclamante – sempre com atenção aos postulados da adequação, proporcionalidade, razoabilidade e a menor onerosidade da execução.
Publicado no Portal Migalhas – Edição nº 5.491 de 05 de dezembro de 2022
O presente artigo foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.