ICMS Incidente nas Vendas Não Presenciais – Inconstitucionalidade do Convenio nº 93/15

Por: Mario Comparato e Maria Fernanda de Azevedo Costa

Diante do crescimento do comércio não presencial, em especial das vendas pela internet (e-commerce) para não contribuintes do ICMS surgiu a problemática decorrente da repartição da receita do imposto entre os Estados de origem e de destino envolvidos nestas operações.

Isso porque de acordo com o regramento original previsto na Constituição Federal, as vendas destinadas a não contribuintes localizados em outro Estado não seriam consideradas operações interestaduais e, portanto, o ICMS seria devido integralmente ao Estado de origem pela alíquota interna da mercadoria neste Estado. Com isso, os Estados onde os consumidores finais estavam localizados não receberiam nenhuma parcela do ICMS incidente na operação.

Ocorre que, com o aumento desta nova modalidade de venda, a perda de arrecadação dos Estados destinatários criou forte impacto em suas receitas, pois ao mesmo tempo as vendas em lojas físicas diminuíram, reduzindo o volume de operações interestaduais para compra de produtos. Assim, não só as vendas internas sofreram forte redução, mas também as operações interestaduais, tendo como consequência a diminuição de caixa em algumas localidades.

Em decorrência, em 2011, os Estados do Norte, com exceção do Amazonas, Nordeste, Centro-Oeste, o Distrito Federal e o Espírito Santo assinaram o Protocolo ICMS nº 21/2011, pelo qual estas unidades federadas passaram a exigir o diferencial de alíquota do ICMS correspondente às operações interestaduais nas aquisições por consumidor final de mercadorias via internet, telemarketing e showroom.

Com este Protocolo, os contribuintes, nas operações com consumidores localizados nos Estados signatários, passaram a ser obrigados a recolher o ICMS em operações interestaduais, ou seja, alíquota de 12% ou 7% para o Estado de origem e o diferencial de alíquota para o Estado de destino mesmo o destinatário final não sendo contribuinte do imposto. Entretanto, nas hipóteses em que o contribuinte estava localizado nos Estados não signatários, eram obrigados a recolher para o Estado de origem o ICMS pela alíquota interna, além do diferencial de alíquota ao Estado de destino, aumentando demasiadamente a carga tributária nestas operações.

Tal situação acarretou grande número de ações judiciais contestando tal Protocolo, culminando com a declaração de sua inconstitucionalidade no julgamento das ADI´s 4628 e 4713, sob o fundamento de que, diante da previsão contida no artigo 155, §2º da Constituição Federal, a cobrança do ICMS em operação interestadual com não contribuinte do imposto somente seria possível mediante Emenda Constitucional.

Diante de grande pressão do Estados prejudicados com o crescimento do comércio não presencial, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 87/2015, com vigência a partir de 2016, pela qual tornou-se obrigatória a aplicação da alíquota interestadual nas operações ou prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do ICMS, cabendo ao Estado de destino a diferença entre sua alíquota interna e a interestadual.

De acordo com a Emenda Constitucional, ainda, é de responsabilidade do remetente da mercadoria ou serviço o recolhimento correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual quando o destinatário não for contribuinte do imposto. Além disso, foi criado o artigo 99 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelecendo que a diferença de alíquota será gradativamente transferida ao Estado de destino, chegando a 100% a partir de 2019.

Em razão do anseio dos Estados localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em repartir a receita do ICMS incidente nas operações interestaduais decorrentes de vendas não presenciais, o CONFAZ aprovou o Convênio ICMS 93/15 estabelecendo as regras para implementação o novo sistema válido já a partir 1º/01/2016.

No entanto, diversas são as inconstitucionalidades decorrentes da regulamentação das alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 87/15 por meio de Convênio entre os Estados, o que inviabiliza sua implementação já a partir de janeiro de 2016.

A primeira delas diz respeito à exigência de Lei Complementar para definir a base de cálculo do imposto, bem como definir a forma de manutenção dos créditos em obediência ao princípio da não-cumulatividade.

É bem verdade que a Lei Complementar nº 87/96 define as regras para incidência do ICMS nas operações internas e interestaduais entre contribuintes do imposto. Neste contexto, as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 87/15 já estariam abarcadas por ela.

Porém, esta emenda criou uma nova hipótese de incidência em operação interestadual relativa ao ICMS, qual seja, quando o destinatário final não é contribuinte do imposto, situação esta não contemplada pela Lei Complementar já existente, o que exige uma regulamentação específica, que por imposição constitucional, somente pode se dar por meio de Lei Complementar.

Com efeito, ao instituir a alíquota interestadual do ICMS nas vendas não presenciais, a Constituição Federal nada especificou no tocante à sua base de cálculo, mantendo, por corolário lógico, a exigência já prevista no texto constitucional de que o próprio imposto integre sua base de incidência, o chamado cálculo por dentro.

Contudo, ao silenciar sobre este aspecto e na ausência de Lei Complementar para sua regulamentação, a definição da base de cálculo nesta nova situação fica prejudicada. Isso porque, ao determinar que o remetente do bem ou serviço é o responsável pelo recolhimento do diferencial de alíquota do ICMS devido ao Estado de destino não é claro se o imposto que integrará sua base de cálculo deve considerar o montante devido ao Estado de origem ou somente a parcela correspondente ao Estado de destino.

Além disso, no tocante ao crédito do imposto relativo às operações anteriores, o Convênio ICMS 93/15 determina que este deverá ser abatido do débito devido ao Estado de origem, gerando, assim, um acúmulo de crédito. Porém, por determinação constitucional, a regulamentação da compensação do imposto compete a norma complementar, sendo que a Lei Complementar nº 87/96 não trata de situações que envolvam não contribuintes do imposto, sendo imprescindível uma regulamentação específica deste aspecto.

Não é demais lembrar que nos termos do artigo 155 da Constituição Federal, aos Estados e Distrito é autorizado deliberar somente quanto às isenções, benefícios e incentivos fiscais concedidos ou revogados, jamais quanto à base de cálculo do imposto e não-cumulatividade, o que caracteriza sua patente inconstitucionalidade.

Por outro lado, apesar de a Constituição Federal definir que compete ao remetente do bem ou serviço o recolhimento da diferença de alíquota quando o destinatário não for contribuinte do imposto, a forma como este recolhimento será implementado quando o destinatário não tiver estabelecimento no Estado de destino também deve ser definido por meio de Lei Complementar e não Convênio entre os Estados, por expressa vedação constitucional.

Carece ainda de regulamentação questões que envolvam substituição tributária e responsabilidade, competindo também exclusivamente à Lei Complementar o regramento destes aspectos.

Assim, diante das incontestáveis inconstitucionalidades apontadas, o que inviabiliza a exigência do imposto já a partir de janeiro de 2016 na forma prevista pelo Convenio nº 93/15, as empresas que realizam operações não presenciais devem recorrer ao Judiciário a fim de resguardarem seus direitos e não se sujeitarem a tais regras indevidas.     

O presente artigo foi escrito e divulgado com finalidade meramente didática e informativa, e, portanto, não configura uma orientação jurídica ou consultoria em nenhuma hipótese. Para obter uma orientação específica sobre o tema aqui tratado, consulte um advogado.